Era
maio frio quando acenei me despedindo. O verde dos teus olhos chorava
derramando-se sobre as tuas colinas. O vento cantava baixinho, naquela
despedida que só eu entendia. Murmúrios de bondade da criança que ainda
habitava em mim. Nossa cumplicidade na dor dos meus joelhos ralados, nas
primeiras lágrimas derramadas pelo despertar do primeiro amor, a transmutação
da criança em menina moça, e daí em mulher, faz-me ver-te maior do que és.
Quantos segredos entre nós duas! Quantos sorrisos meus espreitaste a porta da
tua complacência, mesmo que os teus sorrisos fossem frios, agasalhados pela
névoa que caía pintando os teus dias.
A
menina sente carências. Quer ter-te inteira para ela, mesmo sabendo das
impossibilidades naturais da vida. Sussurram aos seus ouvidos as vozes místicas
das tuas flores. As suas festas de rua fazendo florescerem os desejos da
menina-moça. O som alto a misturar-se com o vozerio de um povo feliz, a mandar
mensagens e músicas, enviadas por “apaixonados”, na maioria das vezes,
anônimos, para as mocinhas serelepes e casadoiras. E assim a vida zoava aos
sons incógnitos do tempo a quebrarem a mansidão das horas, fazendo coro, os
milhares de sons e vozes, com o Pastoril que enfeitava o palco de azul e
encarnado, na celebração Divina. Os instantes que se foram agora são alongados
na subjetivação de valiosas inferências.
A
feira da pitomba tomava as duas ruas principais da Boa Vista e suas travessas e
perdia-se de vista aos meus olhos alumbrados. Acontecia na Semana Santa e lá
íamos nós, cambada de estudantes saindo dos seus colégios para fazermos a nossa
guerra. Jogar pitombas uns nos outros. Era tão bom! Felizes e saciados do gozo
da felicidade da juventude, cada um seguia depois o rumo do aconchego do lar.
Quem dera as guerras do mundo fossem dessas. Pitomba, doce arma de o meu
desabrochar. Relembro os desfiles dos colégios e a Banda do Diocesano e seus
componentes perfeitamente perfilados para enfeitar o nosso sete de setembro.
Dentro de mim ressoa seu hino: “Alto
padrão de civismo e de glória, templo sagrado de luz e saber”... Nas manhãs
de domingo ouvir a música da natureza no “Pau pombo”, depois ir à missa,
confessar os pecados (?). Tínhamos? Acho que éramos puros e inocentes.
O
Cine Teatro Jardim era o ponto de encontro de todos, nas noites dos domingos.
Terminávamos jantando na Pizzaria Napolitana. Era tão bom! Petrifico o meu passado.
É sempre presente. Passou – dizem alguns-, que terei eu a narrar se não me
apegar à origem de tudo? A origem de mim mesma? Olho-me. Estou onde não sou ou
sou onde não estou. E os shows na Rádio? A histeria dos meus poucos anos...
Essa minha existência se lavra em irretocáveis inscrições. E como afirmou
Gabriel Garcia Marques: “a vida não é a
que a gente viveu, e sim a que a
gente recorda, e como recorda para contá-la.” Assim, acendo as grandes
sensações que afloram dentro de mim e se perpetuam no cheiro de terra molhada
de garoa, da mãe que me adotou e me entregou aos braços do mundo. Sinto
saudade. Muita saudade, mas tu não sais de mim. Nunca sairás, por mais chãos
que eu ande.
Além
das colinas, o vento brando suspira extasiado de amor...
Lígia
Beltrão
20/02/2015
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