sábado, 30 de janeiro de 2016

Dia da Saudade! Pernambucanos que moram longe falam do que sentem falta

Foto SECOM-PMG

Quanto sentimento pode caber em uma palavra? Um tanto de alegria, uma certa melancolia, talvez, costuradas por recordações do que pode ter acontecido ou não, que podem ser felizes ou tristes, acionadas por um cheiro, por um som, por um gosto ou por um vento que passe. Se saudade é um sentimento universal, a palavra que lhe deu forma é invenção da língua portuguesa e neste sábado, 30 de janeiro, o dia é dela. 

Mais do que uma simples atenção à ausência de alguém ou de algo, saudade quer dizer sentir. E foi para traduzir um sentimento que não cabia em nenhuma outra, que esta palavra foi inventada no Brasil - ou inventou-se. A inspiração veio da ideia de soledade, do latim, que falava sobre solidão e da tristeza de sentir-se só. E não se pode negar que há, na saudade, um pouco desse sentimento. Mas não bastava. 

"Saudade não é uma mera tristeza e soledade não comportava essa ideia. As pessoas mesclaram esse sentimento de tristeza e o usaram para dizer algo que queriam, a falta de algo que pode ser alegre ou triste, se baseando numa palavra que já existia para preencher esse espaço semântico. Os falantes vão modificando as palavras para dizer o que querem, o que sentem e é assim que novas palavras surgem", explica o professor titular de Língua Portuguesa do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco, Marlos Pessoa. 

Ele conta que já no século XIII ensaiava-se no Brasil aquela que no século XV foi oficialmente incorporada à língua portuguesa. Sodade, dizia-se. Era um sentimento que ainda não havia sido expressado com objetividade, com identificação própria. No resto do planeta, fala-se até hoje em nostalgia ou da falta de algo, mas nenhum outro idioma traduz o sentido de saudade numa palavra só. 

"Ela não existe em outra língua como uma palavra única. No inglês, por exemplo, é um composto. Pode ser miss you ou home sick, que traduzindo ao pé da letra seria como se sentisse falta do seu lar. No alemão também é a ideia de nostalgia ou algo como 'doente de casa'. Mas saudade é mais do que isso", explica o especialista. 

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Neste Dia da Saudade o Diario convidou três pernambucanos que moram fora do estado para compartilharem suas maiores saudades. Perguntamos sobre o que mais sentem falta, como lidam com ela e sobre voltar para casa.

Pedro Fonseca tem 40 anos, é pai de Teresa, Irene e João. Paquerou a ideia de deixar o Recife por alguns anos antes de fazê-lo, em 2007, quando foi morar em São Paulo. Em agosto do ano passado, mudou-se novamente com a família para Barbacena, em Minas Gerais, mas avisa que não vai ser por muito tempo, "só até passar o próximo circo". "A gente tem uma família que gosta de voar", resume. 

"Sinto saudade do Rio Capibaribe, sabia? É minha primeira saudade. E muita. Um rio vivo, que se move pelo meio da gente que nem folião perdido no carnaval, segue um rumo só seu. É coisa rara de se ver. Olhe para as grandes cidades do mundo. A presença de um rio é fundamental para que um lugar tenha espelho, se veja naquelas águas, reflita e se veja refletir. É água corrente que estimula o nosso pensamento sobre a impermanência. É a possibilidade ter algo a contemplar, no meio do caos. O Capibaribe é um patrimônio maior, um lugar que anda (e passa, vai, corre pelo meio do Recife que anda inerte, preso no engarrafamento, assustado com a violência nas ruas, preocupado com o seu destino). E o destino da gente é ser mar, horizonte sem fim. Tal qual o próprio rio. Sempre que volto, passo por ele e fico deslumbrado como se fosse a primeira vez que vejo um rio.

Sinto saudade todos os dias da minha vida dos amigos que cresceram comigo no Recife. Saudade dos meus quatro amigos de banda (aos 20 e poucos, tinha uma banda que tocava toda santa noite na cidade, Habagaceira). Tenho saudade da praia quase sempre. Morro de saudades das cidades do agreste pernambucano – pela geografia, pela comida, pela gente simples. Saudade de caldinho de feijão com cerveja (salivei aqui). 

Sinto saudade todo dia. E saudade, todo dia, é amor. Eu amo a cidade. Mas hoje é um amor platônico, ela lá, eu por aí. E lido com esse sentimento como se fosse um amor de carnaval. Uma dia a gente se reencontra, sem querer. "

(Sobre o vídeo que Pedrinho escolheu para ilustrar o depoimento dele: "Numa das minhas últimas idas ao Recife, fiz um vídeo-pedido, para que a gente colocasse o artigo feminino quando se referisse à cidade. Ao invés de “o” Recife, a Recife. E fui para dentro do rio, que é o lugar mais lindo de vê-la, para pedir isso. A trilha é uma música linda da banda Rua do Absurdo.")

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Nash Laila, 28 anos, decidiu perto do natal de 2011 que era a hora de sair do Recife: comprou uma passagem só de ida para São Paulo. Nas primeiras horas do dia 26 de dezembro daquele ano, "com um tanto de amor e uma saudade já anunciada de Recife-e-de-tudo-o-que-ela-representa", partiu. 

A vida sem pressa no distrito de Bernardo Vieira, em Serra Talhada, no sertão pernambucano. Foto: Nash Laila/Cortesia
A vida sem pressa no distrito de Bernardo Vieira, em Serra Talhada, no sertão pernambucano. Foto: Nash Laila/Cortesia

"Eis-me aqui. Há quatro anos na pauliceia desvairada. Já com uma rotina estabelecida, casa, quintal, cachorro e mais. Se pretendo voltar a Pernambuco... sinto Pernambuco bem vivinho em mim, não tem como separar. Quando saímos do "nosso lugar" somos como sertanejos, como diz Guimarães Rosa: o sertão é dentro da gente ou, o sertão está em toda parte ou, ainda, o sertão é sem lugar... aliás, carne de bode e cuscuz - do bom! - me faz falta. E aquela luz amarelada no fim de tarde, no caminho de Recife a Olinda, com o vento no cabelo, da janela do busão - esse amarelo, jamais vi em outro canto! Tenho saudade da família, da espontaneidade e imaginação pernambucana, do "massa" na voz das meninas; às vezes me contorço de vontade daquele cheiro de mato queimado que a gente sente quando tá numa praia de veraneio, com o sol quente no quengo; e da água morna e confortável das marés. 

Aqui, moro no Bixiga. Bairro de italiano e nordestino. Uma sorte! No caminho de casa até o Teatro Oficina dá pra comprar queijo manteiga fresquinho numa Casa do Norte ou tomar um caldinho de fava com bastante coentro no Rancho Nordestino. Fui dando os meus pulos. Tem sido bom que só. Também criei amor por SP, que é o lugar onde cabe todos os lugares. Agora, citando Itamar: São Paulo é outra coisa. Não é exatamente amor, é identificação absoluta. Sou eu."


O amarelo no céu que ilumina o Recife visto do Sítio Histórico de Olinda. Foto: Nash Laila/Cortesia
O amarelo no céu que ilumina o Recife visto do Sítio Histórico de Olinda. Foto: Nash Laila/Cortesia

Joana Lira, artista gráfica de 39 anos, chama São Paulo de casa desde 1999, quando deixou o Recife. Da terrinha coleciona saudades: cheiros, pessoas, hábitos, a mistura. A maior de todas, no entanto, é pertencer.

"Eu poderia dizer que tenho saudade da intensidade, da elegância e ao mesmo tempo da fedentina também, da vivacidade, das pessoas queridas, do céu de um azul puro, da bagunça, da tradição, da cultura pulsante, da macaxeira, do horizonte, do sotaque lindo, do calor preguento, da inquietação, da água de coco no calçadão, do sovaco na cara no carnaval, dos contrastes gritantes, da mistureba toda.

Entretanto, o que mais me faz falta é a sensação de pertencimento. Lá, venho de longe, falo diferente, tô todo tempo contado como cheguei e porque fui, preciso me afirmar e exaltar o que tenho de mais precioso todo tempo. Não há espaço pra fracassar. Lá sou personagem. Aqui, entendo os códigos, sou igual, relaxo, tenho amigos de infância, me reconheço, não destoo. Aqui sou pessoa."




Fonte; www.diariodepernambuco



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